Educação

Por Bianka Carvalho, TV Globo


Estudantes falam das dificuldades que enfrentaram para chegar à universidade pública

Estudantes falam das dificuldades que enfrentaram para chegar à universidade pública

Estudantes das redes pública e privada se preparam para fazer as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tentar uma vaga em uma faculdade. No entanto, com a pandemia, as diferenças entre o ensino público e privado foram intensificadas e diminuir essa diferença é um desafio para promover igualdade de acesso à universidade (veja vídeo acima).

(Desde a segunda-feira, 7, o g1, o Bom Dia PE, o NE1 e o NE2 trazem reportagens com reflexões sobre a educação. Confira, mais abaixo, links das outras matérias.)

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, dos 6 milhões de estudantes sem acesso à internet na pandemia no país, 5,8 milhões eram da rede pública. Em Pernambuco, no ensino médio, a pesquisa aponta cerca de 50 mil sem acesso domiciliar à internet.

Os alunos de escola pública tiveram menos aulas presenciais e remotas presenciais do que os d de escola privada. Isso foi constatado na síntese de indicadores sociais sobre o Brasil, divulgada pelo IBGE no fim de 2021

O estudo reuniu três bases de dado distintas, segundo gerente da síntese, João Hallak. “A gente percebe ali diferenças entre estruturas de escolas pública e privada, [...] e também características dos próprios estudantes”, disse.

No Brasil, os pesquisadores do IBGE coletaram dados de 6612 escolas e mais de 159 mil alunos. Os indicadores mostram que, na pandemia, 42,6% das escolas tiveram aulas ao vivo, com possibilidade de interação, do aluno fazer pergunta – entre elas, 69,8% eram na rede privada.

De 6 a 17 anos, a quantidade de alunos sem aula e sem atividade pedagógica na rede pública foi quatro vezes maior do que na rede privada. Entre os estudantes de 15 a 17 anos na rede pública, 48,6% tinham computador e internet em casa, enquanto na rede privada, era 90%.

“O estudo menciona a falta de água corrente ou de sabão no banheiro. Isso é um indicativo de que a infraestrutura de determinadas escolas não é adequada nem para o ensino presencial. Então, imagine para o ensino remoto, em que as dificuldades são maiores”, disse Hallak.

Vivências

Lívia e Thiago tiraram notas parecidas no Enem, mas relatam caminhos diferentes — Foto: Reprodução/TV Globo

Os estudantes universitários Lívia Andrade e Thiago Nakazone tiveram notas parecidas no Enem, mas caminhos distintos até conseguir chegar ao ensino superior.

Thiago tem 20 anos, mora em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, e cursa arquitetura na também na UFPE. A vida toda, ele estudou em escola particular. “Tinha ao meu redor uma atmosfera muito boa, todo mundo me ajudava quando eu precisava [...] e conseguia focar nos estudos da maneira que eu queria”, relatou o universitário.

Lívia tem 18 anos, mora na Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, e faz jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e análise e desenvolvimento de sistemas no Senac. “Eu comecei em uma escola pública que era próxima do meu bairro, mas, depois de uns quatro meses, eu consegui transferência para um outro colégio”, contou a universitária.

Ao entrar na universidade, Lívia notou que a maioria das pessoas eram de escolas particulares, não das públicas, como ela. “As pessoas não têm as mesmas condições”, declarou a jovem.

Enquanto Thiago relata que, na escola, tinha ar-condicionado em sala, acesso a computador e internet em casa, além de um quarto próprio, Lívia ficou algumas vezes sem aula por não ter professor. “História, eu acho que foi o mais longo, fiquei muitos meses sem. Sociologia também”, contou a garota.

Com a pandemia e aulas remotas, veio outro problema. “Dificuldades eu tive principalmente em relação a espaço. Eu não tenho um quarto só para mim. Então, eu não tinha o meu espaço de estudo. Eu estudava na mesa da sala. Então, as pessoas entravam, passavam, a internet caía. No início, eu só tinha um celular. Depois foi que eu consegui um notebook”, recordou Lívia.

A estudante viu que colegas de turma também tinham dificuldades. "Muitos amigos meus, por estar em casa, os pais não entendiam que eles tinham que continuar focados na aula, sabe? No meio da aula, ter que sair: vou ter que comprar pão, vou ter que lavar louça, vou ter que varrer o chão", disse.

Educação e transformação

A educação influencia vários aspectos da vida e sofre influências ambientais, econômicos, sociais e emocionais. O professor Mozart Ramos, que foi reitor da UFPE, desenvolve na Universidade de São Paulo um trabalho voltado para a redução da desigualdade educacional e o aumento da aprendizagem.

“Tinha uma escola no recife que era fantástica. De repente, essa escola começou a ter problemas enormes, que não foram decorrentes de problemas intraescolares, mas de fatores externos à escola. Começou a questão do tráfico, da droga, os professores sem conseguir ter acesso à escola", relatou Mozart.

Se não houvesse a ação da segurança pública, da assistência social, apontou o professor, não seria possível atuar apenas pela educação. Por isso, é uma área que precisa estar integrada a outras.

“Teve um projeto muito bacana que eu conheci há alguns anos, em Taboão da Serra [em São Paulo]. Os professores visitavam a casa dos seus alunos nos sábados. e esses professores, ao identificar situações de estresse familiar, dependendo da natureza, acionavam as outras áreas do governo”, disse.

Lívia contou que a maioria dos vizinhos não acreditavam que podiam fazer faculdade. "A visão deles é: eu preciso de um trabalho para me sustentar. Ou acham que não têm condição de passar. Você enxerga tanto as diferenças, que você começa a desacreditar de você", disse a universitária.

Ramos consegue enxergar algumas saídas para essa situação. Uma delas, é a escola em tempo integral. No entanto, precisa ser um espaço de aprendizado.

“Mais tempo na escola é ponto de partida, não é ponto de chegada. O ponto de chegada é a aprendizagem do aluno. Para isso, ele tem que ter uma boa gestão na escola, professores bem formados e condições adequadas ao desenvolvimento do ensino”, disse o especialista.

Para Ramos, é preciso trabalhar a escola de maneira colaborativa, cooperativa, com outros setores da própria sociedade.

"Nesse sentido, vale muito registrar hoje o papel do terceiro setor. institutos e fundações de empresas que estão ajudando muito as escolas públicas nesse processo de dar conta dessa queda, desse aumento do fosso da desigualdade que já existia e que foi ampliado pela pandemia”, disse o professor.

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